Senhoras e Senhores, moças e rapazes, qualquer um com a capacidade de ler (ou escutar), lhes trago o terceiro episódio de Sonhos de guerra, a saga do soldado sem nome.
Junto disso também venho trazer a notícia. A História de Eustáquio, escrita pelo Sr. M e pelo Sr. J está vindo para a sua segunda temporada. Em breve, mais uma saga para você continuar a ler. Para quem não conhece, visita ali nos marcadores. É uma história cheia de mistérios, alienígenas e... coisas que não fazem muito sentido (ainda).
Até semana que vem!
Magno
Dia 70 – 17/10/1967
Escrevo
agora de um hospital de campanha nas proximidades de Buôn, como eu imaginei,
fomos novamente atacados, novamente massacrados e novamente fui ferido, um
morteiro explodiu ao lado do M-113, que tombou, eu bati a cabeça e apaguei. O
Sargento disse que Rick me carregou por alguns metros, até que outro morteiro
explodiu nos arremessando para longe. Eu estou com a cabeça enfaixada, mas
segundo a médica Laurie, Rick aparenta ter fraturado um osso da perna e quebrado
algumas costelas (maldito, devia ter me deixado lá, agora está aí, todo
ferrado). Pelo menos tenho conversado com a médica Laurie, ela é inglesa, pele
clara e cabelos castanhos. A primeira pessoa que vejo em dias que não está
coberta de cinzas e suor. Jack mandou todos os soldados da companhia manterem
distância das enfermeiras, estupros se tornaram constantes por aqui desde o
começo dos conflitos.
Dia 72 – 19/10/1967
Ainda
estou em choque com o que vi hoje. A patrulha de rotina das proximidades do
hospital de campanha, uns soldados do 1st Batalhão de Fuzileiros, encontrou uma
trincheira, que se tornou um buraco, que se tornou um túnel, que desembocou a quatro
milhas daqui. Jack foi ordenado a comandar uma tropa de reconhecimento, exploramos
o túnel e no final encontramos outros três túneis. Já ouvi relatos desses
túneis, a FNL usa para transporte de suprimento e tropas. E pelo visto Jack
também conhecia e estava pronto para lidar com isso. Foi quando puxaram os
Lança-chamas... O cheiro do Napalm é estonteante, mas pior foi quando atingiu o
corpo dos soldados vietcongues. O aroma de morte no ar pesava toneladas na
minha respiração, perdi os sentidos por alguns minutos, até que uma das cenas
mais brutais aconteceu diante de meus olhos. Crianças saíram correndo de um
bunker em chamas desesperadas, e para terminar, um soldado raso do 1st batalhão
“terminou o negócio”. Jack ficou puto e começou a gritar com o soldado, aí o
levou para a floresta, um pouco depois só escutamos um disparo, quando o
Sargento retornou ninguém disse uma palavra.
Dia 73 – 20/10/1967
Rick
acordou, está meio desnorteado pelo tempo que passou apagado, e perdeu uma
parte da audição do ouvido esquerdo, devido à explosão. Como tudo aqui no
Vietnã, comemoramos com vodka barata (que a médica Laurie não pode saber que
bebemos). Tem aparecido uma quantia incrivelmente grande de fotógrafos por
aqui, e depois de o que aconteceu ontem, começo achar bom, quem sabe eles
possam mostrar que nesse campo de batalha há vilões em ambos os lados. (Quem
estamos salvando?) Hoje vi Jack ajudando uma moça, ela procurava seu marido e
seu filho, pelo que eu pude entender, ambos se alistaram na FNL e ela acredita
que nós os matamos, quer que ao menos lhe entreguemos os corpos. É curiosa a
forma que Jack se posiciona, parece que nasceu para a guerra, que vai fazer o
que tem que ser feito. “O Soldado sem Sentimentos.” Não consigo parar de pensar
nisso, que bela merda! Passar por uma guerra onde não se sabe qual dos dois
lados é o pior, e não poder nem ao menos se despedir de sua família direito... Cada
vez mais entendo o que minha mãe queria dizer.
Dia 78 – 25/10/1967
Hoje
completei um mês de “estadia” nesse paraíso infernal, parece que estou aqui há
séculos. Meu corpo já está todo marcado pela guerra, tanto fisicamente como
psicologicamente, aqueles jovens de Healdsburg devem ter passado por coisas
ainda piores para voltarem malucos (se bem que todos aqui são malucos,
principalmente o Sargento Jack). Trocamos figurinhas ontem à noite, houve uma
“festa” para os soldados do 2nd Regimento de Artilharia (pessoal da Pennsylvania
e em sua maioria garotos que não queriam ficar plantando batatas com os pais).
Jack é um texano excêntrico, gosta de whisky quente e botas de couro (como
aqueles cowboys da televisão) e parece um sádico durante os conflitos, acho até
que ele conta quantos “camponeses” mata.
Pelo que Jack me falou, o 2nd Regimento derrubou uma floresta a bombas,
mas conseguiu matar um dos líderes da FNL. Fiquei pensando (o conhaque barato
me ajudou a refletir). Qual o preço que pagamos para matar alguém que vá contra
nossos ideais? E se ao invés de uma floresta fosse uma cidade? Eles teriam
bombardeado mesmo assim? Quantos civis já morreram nesse “negócio” de
influências? E para piorar, nós não paramos, não temos piedade, continuamos
matando, explodindo e queimando tudo o que encontramos até não sobrar mais
nada. E eu faço parte disso...
Dia 81 – 28/10/1967
Saímos
de Buôn hoje e estamos em marcha em direção a Qui Nhon, no litoral. Caramba,
não vejo o mar há meses, já parece uma eternidade, me sinto como alguém que
viajou milhares de quilômetros apenas para chegar ao litoral e assistir as
ondas quebrarem... Estou com medo de mais emboscadas, já estou todo surrado e
cheio de cicatrizes. Não era com esse tipo de lembrança que eu esperava ir
embora deste lugar (já estou me
questionando se eu “conseguirei” ir embora deste lugar).
Dia 82 – 29/10/1967
Confesso
que sinto falta de conversar com a Laurie, foi a primeira pessoa que tinha uma
visão similar a minha em meio a este inferno (e que não me tratou como um cachorro também).
Nesses momentos você começa a pensar se voltará a ver alguém que conheceu aqui, sinceramente acho que estamos todos condenados ao inferno pelo o que temos feito, e um por um, esperamos em fila indiana a morte carimbar nosso bilhete no trem que ira nos levar de primeira classe com “assentos reservados”.
Nesses momentos você começa a pensar se voltará a ver alguém que conheceu aqui, sinceramente acho que estamos todos condenados ao inferno pelo o que temos feito, e um por um, esperamos em fila indiana a morte carimbar nosso bilhete no trem que ira nos levar de primeira classe com “assentos reservados”.
Dia 84 – 31/10/1967
Qui
Nhon está uma merda... Achei que pelo menos a brisa do mar seria parecida com a
da Califórnia... Doce engano, até aqui o cheio de morte é predominante no
ambiente. Caramba, essa cidade é a capital de um estado e esta toda ferrada, me
contaram que era uma das praias mais bonitas daqui antes da guerra. E agora
você só vê soldados jogados na areia durante sua folga, esperando o momento em
que suas companhias sejam enviadas para uma base diferente. Tem uns caras
tentando surfar, mas o vento não é forte suficiente para isso então da só para
escutar dezenas de palavrões vindo da direção deles. Outros ficam dando em cima
das garotas locais, a maioria não dá bola, possuem tradições muito diferentes
aqui, aí quando um brutamonte bêbado leva um fora delas, acontecem os estupros.
Muitos soldados já foram enviados de volta para serem julgados por crimes desse
tipo. E o exército vive tentando encobrir.
Dia 85 – 01/11/1967
Cacete,
quanto mais próximos de Hué nós chegamos, mais emboscadas encontramos, a
companhia foi atacada próximo de um pântano, umas 5 horas de caminhada depois
de Qui Nhon na direção norte. Aqueles “caipiras” como diz o Jack estão
treinando pra valer, derrubaram uns 20 soldados nossos antes de sumirem em seus
malditos túneis. Os capitães ao verem que não tem salvação, puxam espadas e
saem loucos no tiroteio, como os kamikazes japoneses na Segunda Guerra,
cortaram a mão de um subtenente chamado Niles, ele é alto, pálido e tem o
cabelo bem moreno, acho que deve ter vindo do Nebraska. Ele deve estar sonhando
em voltar para o gelo que é aquele maldito estado, comparado ao inferno que é
no meio dessa selva.