29 janeiro 2015

Lei da Travessia

Olá você, não estou aqui hoje para poemar, estou aqui para contar uma pequena fábula. Acredito que ela tem muito mais a mostrar do que se pode imaginar. Tente ler nas entrelinhas o que eu chamo de Lei da Travessia, o preço que se paga para se libertar das angústias.

A Ponte

Eu era popular, tinha um emprego, a mulher de meus sonhos, conhecia a todos na cidade, minha vida era perfeita. Um dia, a mulher a quem eu tanto amava me pediu uma flor, uma tão linda quanto o sorriso do Sol, que só existia do outro lado do rio. Mas no rio havia uma ponte, uma ponte controlada por um gigante, que sempre exigia um preço.

- Alto lá, responda o que eu perguntar! Qual a pior dor, Forasteiro?
- Perdão, senhor. Não sei lhe responder.
- Então volte de onde veio, só aceito a resposta certa como pagamento!

Não conseguindo realizar seu pedido, fui deixado pela minha amada, ela arrumou outro, mais abonado, que pudesse pagar um barco para atravessar o rio e colher a flor nos campos sorridentes. No desespero do momento me vi correr de volta à ponte:

- Alto lá, responda o que eu perguntar! Qual a pior dor, Forasteiro?
- A dor do abandono, a mulher que eu amo me deixou pois não pude cumprir seus caprichos...
- Não é a resposta que procuro, só aceito a resposta certa como pagamento!

Com o tempo fui ficando amargo e dependente do álcool, minha família foi levada à falência devido ao dinheiro excessivo que eu gastava em bebida. Irritado com meu estado deplorável, fui expulso de casa e da família por meu pai, que me acusou de destruir tudo o que tínhamos. Uma vez mais, corri até a ponte:

- Alto lá, responda o que eu perguntar! Qual a pior dor, Forasteiro?
- A dor da culpa, fui renegado por minha família por que não mais contribuía para a renda de casa...
- Não é a resposta que procuro, só aceito a resposta certa como pagamento!

Sem ter um teto ou refeições, fiquei magro e moribundo. Virei um mendigo maltrapilho vagando pela cidade às noites em busca de um pedaço velho de pão, mas numa de minhas andanças, encontrei um grupo de jovens malditos, que me levaram a dignidade e os olhos. E então lentamente me arrastei até a ponte:

- Alto lá, responda o que eu perguntar! Qual a pior dor, Forasteiro?
- A dor da cegueira, de ter olhos e não poder ver a beleza do mundo...
- Não é a resposta que procuro, só aceito a resposta certa como pagamento!

Sem rumo e visão, fui ficando oco e escuro, como uma crisálida velha há muito abandonada. Não sabia mais o que fazer, a não ser esperar a morte sentado do lado da rua principal, onde centenas passavam diariamente, e eu tinha certeza de que nenhum deles olhava para mim. E então de súbito fui iluminado com o saber descabido, que trovejou na minha mente semi-vazia e ribombou nos pilares da minha insanidade. Corri até a ponte uma última vez, decidido:

- Alto lá, responda o que eu perguntar! Qual a pior dor, Forasteiro?
- A dor da esquecimento, do ser visto mas não lembrado. Dor esta que só este um que a sofre pode saber, ninguém mais pode. Não se sente a dor do outro a quem se esquece, por isso ele tem de sofrer sozinho, um milhão de lágrimas não significa nada se não lembrado, não significa nada se não significar amanhã...
- Então você entendeu... Lhe concedo a passagem ao Outro Lado, espero que sua dor tenha valido a pena!

E o Outro Lado brilhou, quanto mais me aproximava mais radiantes eram os raios multicoloridos vindos do além, e eu avancei. Seguro e confiante, não com medo e assustado. Sorrindo, sabendo não saber do inexplicável e não explicar o sabível.
E adentrei no paraíso, onde ganhei meus olhos de madre-pérola e descalcei o chão...

Então lhes digo agora, é bom esquecer? As vezes, as vezes tudo o que você quer é esquecer. Esquecer da dor que lhe causaram, emocional e física, esquecer do abandono de um amor, esquecer das trevas que te cercam nas horas escuras do seu raciocínio. Mas esquecer não te faz bem a todo o momento, quem esquece desaprende, e está fadado a cometer os mesmos erros e passar pelos mesmos infernos pessoais. LEMBRE. Lembre do que te faz mal, lembre do que te deixa pra baixo, lembre de quem te fez sofrer. Grave-os nas paredes do seu crânio, faça valer a pena evoluir e deixar isso pra trás. Sem NUNCA esquecer do passado, afinal é nele que se reflete o presente, e posteriormente, o futuro. O SEU futuro.
M